Essa fascinante trajetória começa com Santos Dumont, apaixonado pela raça, trazia da França, exemplares que presenteava aos amigos e assim os primeiros Greyhounds começaram a entrar no Brasil. Há quem diga que foi Santos Dumont o inventor da lebre mecânica, em defesa dos animais.
Da. Maria Lúcia Kernke foi uma das grandes criadoras de Greyhound no Brasil.
Só os conhecia através de livros, quando na casa de uma amiga me deparei com a foto de uma linda fêmea chamada “Vegas” estampada na revista “National Geographic Magazine”, isso se passou nos anos 40, disse ela.
Esta página acabou sendo emoldurada e mais tarde serviu para estreitar os laços de duas pessoas, que de forma incomum viveram uma das mais interessantes histórias, não só para sinofilia brasileira, como também para qualquer simples mortal que deseja realizar o sonho de conviver.
No início havia apenas um pequeno núcleo de criadores no Rio de Janeiro, mantido pelos senhores Gladstone Bandeira Dart e Osmar Padilha e logo em seguida Dr. Carlos Arlindo Fredericksen participaria com uma excelente fêmea de origem alemã, Ch. Gaby Von Mushlenweiher, que trazia em seu pedigree uma combinação das melhores linhagens continentais da época.
O canil de da. Maria Lúcia foi inicialmente estabelecido na fazenda Pirajá, em Pedreira (SP), daí o nome Pirajense. Seus primeiros Greyhounds foram: Carioca do Leblon, com grandes premiações, ganhou por cinco vezes “Melhor da Exposição; Menina, Tigre e Nanda de Água Branca, vindos do Rio de Janeiro”. De uma das ninhadas pioneiras, portanto o sufixo “Pirajense” nasceu o macho Pinhão, que seria cruzado com Gaby, produzindo Apollo e Carmarema. Apollo foi acasalado, resultando Ch. Play Boy Von Carmarema. Este exemplar, de criação do Dr. Fredericksen foi adquirido pelo casal Dr. Ruy Guedes Galvão e Sra. Maria Lúcia Kernke, e durante muito tempo foi o esteio da raça, não somente nas pistas, como também na reprodução.
Desde então seus cães foram tendo uma trajetória de sucesso, tanto os de seu canil como os de descendências ou adquiridos em outros canis, como por exemplo, Jocasta e Guenavier, dos proprietários srs. Washignton Marcondes Ferreira e Osvaldo Riqueto, respectivamente e Machão com carreira brilhante se tornou “Grande Campeão Internacional”. Mas o mais interessante foi o belo Greyhound negro de nome “Must” que foi guia, durante quatro anos, de uma garota cega; contrariando os que dizem que o Greyhound é difícil de se adestrar. No final dos anos sessenta, a Argentina passou a representar uma fonte de novas linhagens alternativas. A juíza Jaqueline Quirós, que atuara como "Handler” nos Estados Unidos, regressara ao país vizinho com um time de bons cães, estabelecendo seu canil “Dragonfly”. Igualmente outros aficionados, como Juan C. Goya (“Canil Wenbray”) e Sra. Tereza Serantes de Arabeheti (“Canil Luz Mala”), contavam com bom plantel.
Vários criadores brasileiros procuraram esses canis para obterem novos sangues para suas criações e de lá para cá Da. Maria Lúcia trouxe Ch Luz Mala Jersey enviando como permuta uma fêmea preta. Também exportou para o canil Dragonfly a fêmea Vulcan Shasta de Pirajense, que fechou o campeonato argentino e foi a maior ganhadora da raça naquele país em 1975. Gaby e Carolina de Pirajense foram campeãs e matrizes do canil “Starting Gate” de Carlos Alberto Capone, foi então dessa ramificação surgiu “Incitatu´s” o canil do Dr. José Sergio Rodrigues Palma, seus cães premiados foram: Starting Gate Ametiste, Melhor Fêmea do Ranking Brasileiro em 1985; Incitatu´s Erin, Melhor Macho do Ranking Brasileiro em 1989; Incitatu´s Dancer Rio Festival, Ranking Brasileiro em 1993; Incitatu´s Fly Festival, Ranking Brasileiro em 1994; Incitatu´s Quatter Gaye Lele, Ranking Brasileiro em 1999 e Starting Gate Adorable. O campeão internacional Shalfleet Spring Festival do Sr. Oswaldo Riqueto levou os Greyhounds ao pódio dos ganhadores de exposição e deixou uma valiosa descendência nos canis “Portuzuelo” de Maria Lúcia Pereira, “Vale do Sol” de Oswaldo Riqueto, “Starting Gate” de Carlos Capone, “Pirajense” e outros. Sua melhor filha, campeã internacional Suerte Brava do Vale do Sol (sendo apresentada no Brasil por Fátima Aparecida Cruz) cumpriu a melhor carreira para uma fêmea na raça, com vários “Melhores da Exposição”, inclusive com juízes estrangeiros. Posteriormente, conquistou o campeonato norte-americano sob a bandeira “Roberjos”. Canil de José Maurício Machline e foi acasalada com um macho de origem sueca, My Adventure, com premiação de Campeão Americano, Mexicano e Internacional. Com filhos campeões tanto no Brasil, como nos Estados Unidos. São eles: Barbizon Frank de Roberjos, Campeão Americano; Barbizon Fofoca de Roberjos; Barbizon Fuxico de Roberjos; Barbizon Ricardo de Roberjos, Campeão Venezuelano e Barbizon Zaba de Roberjos Da. Sra. Maria Lúcia Pereira do Canil Portuzuelo foram premiados: Balalaica de Roberjos, Grande Campeã; Jacinta de Roberjos, filha de Fuxico e campeã em 1994; Kuaat de Roberjos, filho de Fofoca e campeão em 1990. Também: República e Macarema de Sierra Nevada foram acasaladas e desse cruzamento nasceram: Dinâmica, Decidido, Diferente e Duende de Roberjos. Minerva de Roberjos outra campeã foi fruto do acasalamento de Duende com sua mãe.
A Sra. Maria Lúcia Kernke, como vivia em fazenda, dedicou-se a boa criação dos Galgos (Greyhounds e Whippets), com muito espaço e alimentação abundantes, por isso exercia seu trabalho sem grandes limitações, chegando a ter quase trinta exemplares de cada espécie. Cruzando-os com extrema responsabilidade, para evitar problemas na colocação dos filhotes, raramente os comercializava e preferia doar a ter que vender para pessoas que não criassem bem. Partindo desse princípio, por muitas vezes buscava os cães que não estavam sendo criados de acordo com seus preceitos. Seus cães eram criados livres com direito, em sistema de rodízio, a freqüentarem o interior da sede da fazenda. A maioria vivia dentro de casa, mesmo tendo recintos fechados e apropriados para se alojarem. Assim todos os ocupantes da fazenda podiam ter contato mais próximos com os cães, o que para ela é fundamental.
Durante aproximadamente três décadas, mesmo após o falecimento de seu marido, em 1959, continuou a dedicar-se às exposições, na função de expositora, dando sua parcela de contribuição a cinofilia brasileira. Certo dia, em outubro de 1964, Guinea foi conduzida por José Augusto Ferreira e por uma daquelas pequenas artimanhas do acaso, da. Maria Lúcia não presenciou a vitória. No momento da escolha, ela estava afastada do ringue tomando conta dos outros seis exemplares que trouxera da fazenda. Como disse Dr. Sérgio Gebran, numa entrevista, onde parte dessa história contada aqui, foi tirada: “- Para quem a conhece, no entanto, nenhuma novidade. Para ela, o bem estar dos seus animais sempre esteve acima de qualquer outra consideração”.
Essa fêmea já tinha sido premiada em 1958 pelo mesmo juiz norte-americano, como “Melhor da Criação Nacional” em amostra do Brasil Kennel Club, Mr. Murr, mesmo tendo passados seis anos foi fiel ao seu julgamento passado. Com mais de 31 Whippets e 15 Greyhounds campões (contando os importados, adquiridos de terceiros e os de sua própria criação, e também, aqueles que completaram os campeonatos nas mãos de outros expositores), inclusive com título internacional de beleza confirmados pela FCI estão Mauna Loa, Spring Squire e Spring Squall. Esses números contabilizaram a participação do canil "Pirajense” no esforço para manter os Galgos presentes em nossas pistas, merecendo, no entanto, elogios de árbitros, especialmente estrangeiros, impressionados com a uniformidade do tipo alcançado. Nunca mediram esforços, ela e seu marido, para levar seus animais a exposições por mais distante que fosse. No início da década de cinqüenta, por exemplo, lotaram um carro com cinco Greyhounds e enfrentaram longos trechos de estrada de terra para
poderem expor em Porto Alegre.
Certa vez, Dr. Ruy e da. Maria Lúcia Kernke, encantados com um Greyhound de nome “Tigre”, ofereceram uma boa quantia ao proprietário do animal, Sr. Gladstone Bandeira Dart, para poder adquiri-lo, mas naquele momento o cão não estava disponível. Com muita insistência, Dr. Ruy conseguiu compra-lo, mas teriam que levar como condição, os outros Greyhounds que ele possuía. Então com o negócio fechado partiram os dois para o Rio de Janeiro buscar os cães, viajaram horas a fio e chegando lá, uma surpresa, teriam que levar para casa quatorze animais. Essa foi, dentre tantas, uma das aventuras e quem a ouve contar se encanta com o prazer de terem vivido tudo isso.
Em casa tantos troféus, livros, esculturas e quadros, quase tudo relacionado aos cães, ajudam a contar grande parte de sua vida. Mas aos poucos foi se desligando torcendo de longe pelo sucesso dos novos competidores, sendo aqui ou fora do país. Atualmente conta com meia dúzia de Whippets: “- Meus animais, via de regra, atingem idade avançada e costumo acompanha-los até o fim de seus dias.”
Na década de sessenta, em uma visita ao Brasil, a Rainha da Inglaterra Elizabeth II foi recepcionada na embaixada do Rio de Janeiro, por dois lindos Greyhounds do Embaixador John Russel. A manchete foi dada pela revista “O Cruzeiro”: “O Embaixador John Russel, esposa e filha, acompanhados de dois grandes Galgos, receberam Elizabeth II, à entrada da Embaixada Britânica, em cujos salões se concentravam a sociedade carioca”.